Olá a todos,
Como texto de “estréia”, irei tratar da noção de
reflexibilidade aplicada aos investimentos. O tema já foi trabalhado por George
Soros
num artigo escrito no FinancialTimes há quase uma década, mas não me fiarei exclusivamente a ele.
Primeiramente, antes de discutir a questão financeira propriamente
dita, devo ressaltar que a noção de reflexibilidade foi tomada por Soros do
pensamento de seu orientador de doutorado, Karl Popper. Creio que Popper mereça
um (ou melhor, vários) textos focados em seu pensamento e, evitando ser
pernóstico, indico os interessados assistirem os 6 blocos de entrevista daquele
pensador no programa
Uncertain Truth, no fim dos anos 80 (nos quais dois
tiveram como entrevistador John Eccles, prêmio Nobel de Medicina em 1963) .
Popper teve uma
formação e carreira multidisciplinar – abandonou os estudos no final do
ensino médio, ingressou na faculdade após fazer a “Matura” já na casa dos vinte
anos (algo como fazer uma prova do
supletivo), doutorou-se num programa de pesquisa em Psicologia, escreveu uma
obra prima na área da Filosofia da
Ciência para conseguir fugir da Austria no período nazista, conseguindo uma
vaga de professor numa faculdade no interior da Nova Zelândia, onde escreveu a obra de Filosofia Política que o tornou
famoso – os dois volumes de
The Open Society and its Enemies. Após a
guerra, se tornou professor na London School of Economics (a qual teve Soros
como aluno). A autobiografia intelectual dele,
Unended Quest, é um livro
que vale a pena ler.
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Fonte:http://funkman.org/animal/bird/blackswan.html |
Qualquer análise, feita por quem quer que seja, é parcial – quer por não abarcar a
infinitude de inputs possíveis, incluidas externalidades, quer por sofrer
influencia das concepções prévias
do intérprete. Assim, como um critério
de delimitação do caráter científico de uma dada teoria, a verificação destas
em todos os testes e experimentos não é um critério adequado, mas sim a sua
abertura para o falseamento – assim, a afirmação “todos os cisnes são brancos”
cai por terra com a observação de um único cisne negro (Taleb tomou emprestado
a metáfora do cisne negro de Popper (nunca li o livro do financista, mas
conheço bem o pensamento do filósofo austríaco).
Contudo, não quero tratar do espinhoso tema da delimitação da ciência. Na verdade,
preciso ressaltar que, sobre tudo, o verificacionismo lugar-comum induz facilmente
o analista ao “efeito édipo” (como demonstrarei adiante) com a criação de
profecias autorealizadas. Num ponto de vista mais amplo, tal efeito também influencia
o comportamento da bolsa, uma vez que há uma assimetria no conhecimento dos
players do mercado, o que reflete no comportamento deste no próprio mercado,
influenciando o comportamento do próprio mercado– tema que, embora
interessante, não será tratado neste texto, mas no próximo (acerca da noção de
reflexibilidade propriamente dita). Por ora, procuro aqui tratar dos efeitos do ponto de vista
parcial de um dado agente nas escolhas feitas por ele na alocação de seu
capital.
Para tanto, já sintetizo meuraciocínio num axioma:
Nenhuma forma de valuation
vai assegurar um dado resultado futuro, muito menos determinar o preço justo
exato de uma ação.
Com efeito, possível
dizer que a “observação dos fatos” feita por um investidor não é apenas uma
mera recepção de dados, mas uma interpretação de uma parcela dos fatos à luz de
concepções prévias, da mesma maneira que Popper equiparava “observações
clínicas” à “interpretações” feitas com base na teoria do pesquisador – em
suma, aquilo que Popper chamava de “efeito Édipo”.
Neste contexto, tratar de “valor intrínseco” de uma dada
ação torna-se não apenas um juízo de certeza, com base nos seus dados, mas um
ato de fé – fé que os fatores intangíveis empregados numa dada análise se
concretizem no futuro, bem como não apareça um cisne negro pela frente.
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Fonte:http://sorisomail.com/nadata,4,2,2012,julias,1,1/1-id-desc.html |
Em outras palavras, não há uma dualidade entre Sr. Mercado
razoavelmente irracional oferecendo
cifras diversas por uma determinada ação versus um investidor prudente que sabe
o “valor intrínseco” dela. Pelo contrário, há um resultado de um agregado de
pontos de vistas parciais sobre o valor de uma determinada ação que pode se
contrastar ou não com o ponto de vista (igualmente parcial) do investidor – a
interação entre estes pontos de vista parciais será tratada por outro texto,
focado no “princípio da reflexibilidade”.
Dito isso, não é por outro motivo que Damodaran adverte que
há uma “margem de erro” em qualquer tipo de valuation (não vou citar aqui por estar
falando de cabeça, mas quem conhece sabe). Por certo, empresas sólidas e
saudáveis tendem a (mas não necessariamente vão) continuar existindo e gerando
valor aos acionistas, independentemente de distorções nos preços de suas cotas
no curto prazo – uma vez que a solidez passada não necessariamente implica numa
solidez futura.
Afinal, nem os ditos retornos esperados (expected returns), tampouco
os riscos futuros são diretamente aferíveis – tal aferição é possível tão
somente com os retornos e riscos já realizados. Neste contexto, fazer uma
avaliação de um investimento se assemelha com dirigir um carro estrada a frente
se guiando tão somente pelo retrovisor – ou seja, a análise dos retornos
esperados se pauta preemptoriamente pela interpretação de uma restrita base de
dados passados extrapolados (de diversas formas) pelo investidor para o futuro.
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Fonte:http://steeritedrivingschool.com/importance-of-the-side-mirror/ |
Aos colegas da blogosfera, trarei um exemplo conhecido: o
all-in do Pobretão numa empresa do ramo elétrico.
Àqueles que não tiveram a oportunidade de conhecer seu finado (e polêmico) blog, o Pobreta, em algum
ponto de 2011-2012 (não me lembro ao certo), optou por investir praticamente
todo seu patrimônio na referida empresa, com base nas vultosas distribuições de
dividendos então existentes, bem como na possibilidade de um reajuste benéfico
das tarifas desta nos anos seguintes.
Em suma, o célebre blogueiro, após olhar no seu retrovisor
uma série de dados benéficos, seguiu em
frente na estrada dos investimentos. Contudo, apesar de ter traçado um retorno
esperado com base em dados concretos,a sua frente apareceram alguns cisnes
negros (e outros bem branquinhos e comuns, para ser sincero), sendo os
principais: a política econômica dos anos seguintes, que desfavoreceu o setor
elétrico; algumas questões de gestão da
própria empresa; a crise economica iniciada em 2014.
Por fim, após alguns anos, o Pobreta liquidou os
investimentos naquela empresa e aportou em outras opções mais conservadoras.
Antes de mais nada, devo frisar sobretudo que não quero de maneira alguma
denegrir a imagem deste blogueiro (se o mesmo se sentir assim, por favor
comente com seu perfil neste post que retirarei as menções feitas), mas, pelo
contrário, utilizar a experiência que ele mesmo compartilhou para evidenciar a
ideia de falibilidade.
Em que pese as críticas, o referido investidor teve base em
uma série de dados relativamente sólidos. Inclusive, na época, vários outros blogueiros tinham o tido
ganso dos ovos de ouro em suas carteiras, analistas comentavam sobre ela
internet afora (e até mesmo no You Tube). Ela não era exatamente um mico.
Contudo, como apregoa a ideia de
falibilidade,o ponto de vista dele era fragmentado, ignorando fatores que já
existiam a época (riscos do setor e do cenário econômico) e a possibilidade de
uma ave com lustrosa penagem negra aparecer no seu caminho.
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Fonte: http://autos.culturamix.com/marcas/chevrolet/camaro-amarelo-historia-informacoes-e-qualidade |
O tempo passou,e os aportes na empresa aumentaram, numa suposta
concretização da profecia autorealizada (a cotação vai cair para depois subir
com o aumento da receita e recuperação da empresa). Hoje, o resultado
é conhecido.
Novamente preciso frisar que não quero de maneira alguma denegrir o
autor do blog - que sem sombra de dúvidas ajudou a unir a blogosfera financeira
há alguns anos – mas sim mostrar que a sua jornada pode servir como uma cautionary tale.
Contudo, em que pese o exemplo ser conhecido, ainda vejo
profecias autorealizadas blogosfera afora, em casos como: “A ação caiu, vou
baixar o preço médio”... “A ação subiu, o mercado já está fazendo a correção
para o preço justo”... “A FII está sendo negociada abaixo do valor patrimonial”....
“Vou comprar vacância”..... enfim, frases comuns na blogosfera financeira que
por si só, não significam nada senão um
efeito édipo operando (e não, o sucesso eventual destas práticas não prova
nada).
Eu adoraria dar exemplos aqui de profecias passadas e presentes que existem
ou já existiram no mercado financeiro,
mas infelizmente não tenho certificação para tanto. De qualquer forma, no
próximo texto tratarei do ponto realmente interessante para os investidores: o
efeito Édipo nos mercados financeiros, ou, como Soros denominou, o princípio da
reflexibilidade.
Muito obrigado.