quarta-feira, 7 de junho de 2017

Algumas reflexões sobre concursos públicos

O funcionalismo público é um tema  controvertido na blogosfera financeira. Longe de ser um exagero, entendo e até certo ponto concordo com aqueles que criticam os altos salários e baixo nível de qualidade dos serviços de uma parcela razoável do funcionalismo público de modo geral, bem como os impactos de uma folha de pagamento inchada nas finanças públicas.

Eu pretendo ainda tratar dessas questões mais polêmicas aqui no meu blog, mas não agora. Como bem revela o nome do tópico, vou tratar de concursos públicos. Resolvi escrever sobre o assunto devido aos posts do Microinvestidor, que está nesta trajetória de estudos.

Como uma vez disse o Procurador da República Edilson Vitorelli (o blog dele é uma ótima referência de leitura, ressalte-se), nos últimos anos os concursos públicos se tornaram uma corrida do ouro onde, como sempre, aqueles que vendem as pás lucram muito mais que os que cavam atrás do ouro. Não faltam cursinhos, livros e coaches que prometem o êxito em concursos públicos, nem sempre com honestidade. É preciso frisar bem essa triste verdade: a industria do concurso é financiada não por aqueles que alcançam os seus objetivos, mas pela grande massa de pessoas que fracassam. Neste contexto, a venda de sonhos as vezes mascara algumas realidades.


Por isso, vou evitar aprofundar em coisas já batidas e tratar (muito brevemente) de dois aspectos desta jornada pouco tratados em textos que leio internet afora.

Se você não sabe onde quer ir, qualquer caminho serve
Fonte: http://cinemascope.com.br/colunas/rosebud/alice-no-pais-das-maravilhas/

Esse é um erro comum em pessoas que “querem passar em concurso”.  Na busca por dinheiro e estabilidade, alguns atiram para todo lado, um dia estudam para o Banco do Brasil, no outro para o Itamaraty, sem qualquer foco. Se por um lado isso é uma receita perfeita para uma potencial frustração num eventual êxito (falarei disso mais adiante), por outro é, por mais das vezes, um caminho certo para o fracasso. Afinal, carreiras diferentes tem perfis diferentes, o que reflete na própria dinâmica dos concursos.

Por exemplo,acredito ser plenamente possível estudar ao mesmo tempo para a Magistratura Estadual e para o Ministério Público Estadual – há uma sobreposição de matérias bem nítida nos concursos destas carreiras. Por outro lado, é inviável (mas não impossível) estudar para os Ministérios Públicos Estaduais e o do Trabalho – este último tem características próprias que o afasta dos congêneres estaduais.

Ainda utilizando o exemplo dos MP, carreiras estaduais distintas podem demandar perfis distintos – o MP/SP geralmente tem provas mais tradicionalistas, ao passo que o MP/MG costuma trazer “inovações” (frequentemente criticadas) e o MPF, ao menos na época em que o ex-subprocurador da República Eugênio Aragão fazia parte da banca, exigia um conhecimento aprofundado em Direito Internacional, pouco (ou sequer) exigido em outros concursos.

No nível do funcionalismo de “médio nível”, essa característica se revela especialmente no rol de matérias cobradas e da banca escolhida. Cargos de analista em TRFs geralmente exigem um conhecimento sólido do “feijão com arroz” jurídico, ao passo que TRTs e TREs necessitam de um aprofundamento em suas respectivas áreas de atuação. Conhecer direito penal militar e processual penal militar pode separar quem passa e quem não passa no MPU, concurso que geralmente tem uma mínima diferença de pontuação entre os colocados.

Saber não apenas como, mas principalmente o que estudar, é essencial - e isso perpassa a escolha da carreira desejada.

Cuidado com o que deseja
Fonte:http://www.oantagonista.com/posts/vargas-llosa-e-um-milagre-moro-ainda-estar-vivo

No curso de direito, confesso que sempre achei um pouco de graça naqueles que enxiam o peito para falar que iriam ser “juízes, ops, Magistrados Federais”. Por óbvio, a Magistratura Federal é uma carreira muito bonita, e seus integrantes via de regra trabalham com uma infra-estrutura muito melhor que seus colegas  da Justiça Estadual (embora em regra ganhem menos que estes).

Contudo, qualquer pessoa que tem o mínimo de contato com a Justiça Federal sabe que boa parte do volume deste importante setor do Poder Judiciário concentra-se em Execuções Fiscais e questões previdenciárias. Na minha curta trajetória de vida,conheci muita gente apaixonada por direito penal, ou a área de família, mas ainda não tive a oportunidade de ter contato com alguém que batesse no peito para falar “eu amo previdenciário”!

O que leva alguém a sonhar com essa carreira então?

Adoraria dizer que é o sonho por  seguir os passos de vultos como Vladimir Passos de Freitas, Teori Zavascki e Leandro Paulsen, que tiveram (ou ainda tem) carreiras belíssimas na Magistratura Federal e fora dela, mas infelizmente não é essa a regra.

O status (até mais que o dinheiro) é o que alimenta o sonho de muitos, o que é uma lástima tanto do ponto de vista coletivo (pela atração de pessoas que não tem o perfil da carreira), mas especialmente do ponto de vista individual. As vezes as coisas não funcionam muito bem da forma que imaginamos, e se por um lado alguém pode falar que adoraria ser infeliz ganhando o salário de Juiz Federal, a maioria das pessoas que sofrem desse tipo de equívoco e alcançam êxito em algum concurso acabam presas a carreiras infelizes no funcionalismo de médio e baixo nível salarial.


Não posso, e nem devo, julgar as motivações de quem se aventura na busca por uma carreira pública, em especial uma carreira de "alto gabarito". Contudo, as escolhas que fazemos causam impacto não apenas em nós, mas naqueles que nos cercam. Uma mera ação previdenciária enfiada numa pilha de processos numa secretaria de vara pode ser apenas mais um processo banal e repetitivo para o julgador, mas provavelmente é a ação da vida do autor. Acredite, em 90% dos casos (ou até mais) o resultado daquela causa vai ditar a vida que um idoso vai ter nos próximos anos.


Por outro lado, existem coisas que o dinheiro não compra: salvar a vida  de uma pessoa acidentada, conseguir uma vaga na UTI para o pai de família que infartou, impedir um possível assassinato, dar o mínimo de instrução a uma criança desamparada, são coisas que o serviço público não apenas permite, mas paga, para um servidor fazer. É claro que isso é uma romantização da atividade, mas não se pode  esquecer que servidor deriva da palavra servir.

Essa belíssima música do Raul retrata bem o que eu estou falando:


Muito obrigado!

PS: Peço desculpas por me afastar do tema "investimentos". Retornarei a temática nas próximas postagens.

15 comentários:

  1. Parabéns pelo post.
    Você é servidor público?

    Abraços.

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    1. Muito obrigado, Cowboy!
      Eu sou servidor público, trabalho na área jurídica.
      Abs!!!

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  2. Muito interessante a reflexão, colega.
    Sobre a Justiça Federal você, não sei se é juiz federal ou Procurador, foi quase que ao ponto nevrálgico. Apenas quem conhece, com um pouco mais de profundidade, pode saber esses diversos poréns de algumas carreiras consideradas "do sonho" de muitos.
    Abraço

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    1. Muito obrigado soulsurfer.
      Agradeço a consideração, mas nem prática jurídica eu tenho ainda. Eu sou recém-formado, não tenho nem 25 anos, e sou servidor da área jurídica, numa carreira "intermediária"(tiro entre 10-15k).
      Abraços!!!

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  3. Muito bom, Kundera. Concordo que a maioria das pessoas romantizam as carreiras judiciárias por causa do Status elevado e esquecem dos deveres e desvantagens da carreira.

    Abraços!

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    1. Sim, qualquer escolha na vida tem seu preço - e é um erro fazer escolhas sem levar isso em conta.

      Abraços!

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  4. Parabéns pela postagem Kundera!

    De fato, é lastimável pessoas que estudam para qualquer concurso apenas buscando a estabilidade e salário, sem sequer se preocupar com as funções que vão exercer...

    Sobre o suposto paradoxo entre servidor público ganhar muito e prestar um serviço ruim pra sociedade, fiz um post sobre isso, confere lá:

    http://ministrodoinvestimento.blogspot.com.br/2017/05/a-falacia-do-funca-improdutivo-e.html

    Abraços!

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    1. Vi esse seu post, muito bom por sinal.
      O que me parece é que a maioria das pessoas gosta de simplificar muito o pensamento, jogando todos os "funcionários públicos" num mesmo cesto, sendo que as atividades e respectivas complexidades variam extremamente.
      É como querer comparar um office boy ao CFO (p. exemplo) de uma empresa: "Não são todos funcionários privados??"
      No serviço público é igual, existe o auxiliar da prefeitura, o técnico de TI de um ministério, o auditor da receita federal, todos com atividades completamente diferentes uns dos outros, isso só para ficar no Executivo.
      E algo sensacional no serviço público, que pouca gente aborda, é o fato de que você trabalhando muito, você sabe que está servindo a sociedade como um todo. Então não fica aquela sensação de estar sendo explorado pela empresa, pelo seu chefe, etc.
      Um dia vou ver se desenvolvo mais sobre este tema no meu blog.
      E é muito bom ver que aqui na blogosfera tem muitos servidores!!!

      Abraços!

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    2. Opa Sr. Ministro, eu acredito que essa percepção da sociedade tem fundamento na baixa qualidade dos serviços públicos em geral no Brasil, somada a algumas distorções salariais. É um assunto complicado, já percebi que ele gera um pouco de polêmica aqui na blogosfera.

      Vou dar uma passada la no seu blog!

      Abraços!

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    3. Concordo plenamente ZeroUm, existem certas carreiras no setor público que dão uma satisfação pessoal imensa, nem sempre acompanhada da valorização, não só financeira mas em status também (ex: bombeiros).
      Infelizmente a venda do "sonho" do concurso público leva algumas pessoas a se prender em trabalhos no meio das engrenagens da burocracia que não vão trazer qualquer satisfação pessoal e, por mais das vezes, nem mesmo o retorno financeiro que esperam.
      Escreve mesmo, esse tema é bem interessante!

      Abraços!

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  5. Excelente texto Kundera!
    Você tocou em vários pontos interessantíssimos. Um deles, o que mais me apetece, é me sentir útil enquanto funcionário público.
    Creio que isso seja fundamental.
    Não posso dizer que não fico romanceando um pouco a futura carreira de quando for aprovado, mas busco conversar com pessoas que seguem essa carreira.
    A maioria dos concurseiros esquece que a carreira pública é marcada, via de regra, por estabilidade, inexistência de promoção por mérito real (habitualmente por tempo), rotina, dificuldade em implementar mudanças (Não só por causa das pessoas, mas também por aspectos legais), e tantas outras coisas.

    Enfim, ainda pretendo escrever um pouco sobre o tema.

    Abc

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    1. A carreira pública não é nem um pouco dinâmica, acho que isso desincentiva inclusive aos próprios funcionários tentarem dar o seu melhor no trabalho. Afinal, o workaholic e o folgado recebem a mesmíssima quantia no contracheque e o desempenho geralmente não influencia em nada a progressão na carreira.
      Acredito que isso deveria ser repensado.
      Escreve mesmo, esse tema merece ser discutido!

      Abs!

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  6. Muito legal o seu post! Conheço um defensor público estadual e um juiz estadual, ambos gostam muito dos seus respectivos serviços e procuro conversar com eles a respeito para saber o que me espera. Já um amigo servidor de faculdade estadual odeia o trabalho dele.

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    1. Justamente, existem carreiras e carreiras... perfis e perfis.
      Não existe emprego perfeito
      Abraços!

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  7. Olá Kundera!

    Muito bom seu post! Legal para abrir a mente quanto ao assunto!

    Abraços!

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